Turismo nos Açores: Mais ou melhores turistas? Encontro debate futuro do setor nos Açores

Na semana passada, medimos o pulso ao turismo na ilha de Santa Maria. Hoje, é a vez de uma reflexão alargada sobre todo o arquipélago, numa altura em que o setor bate recordes 

É um dos atores mais conhecidos do mundo. Ganhou dois óscares, um deles pelo icónico Forrest Gump. E agora pergunta-se: o que tem Tom Hanks a ver com o turismo nos Açores?

A ligação é tudo menos óbvia, mas nem por isso deixou de ser abordada num encontro recente na ilha de Santa Maria, em que se debateu o futuro do setor no arquipélago.

Nem todos sabem, mas Hanks descende de açorianos que emigraram para os Estados Unidos. E ao que se diz por cá, já esteve nos Açores para investigar as suas origens. E é aqui que, sim, faz sentido invocar a estrela da sétima arte. Há turistas que vêm para cá fazer isso precisamente.

“Há dois ou três anos, recebi um casal do Canadá, que vinha à procura de raízes familiares”, conta Nuno Rosa, empresário turístico presente no encontro, ao Correio da Manhã Canadá (CMC).

“Um deles tinha um avô que tinha nascido cá. Vinham à procura de raízes, curiosos por conhecer os Açores.”

O potencial turístico da comunidade emigrante e respetiva descendência foi um dos muitos temas debatidos na conferência, intitulada ‘Açores: Mais ou melhores turistas?’.

Promovido pela associação de turismo rural Casas Açorianas, o encontro juntou profissionais do setor de todo o arquipélago, políticos, jornalistas e um perito do marketing.

O Canadá é importante para o turismo nos Açores, sublinharam muitos dos presentes, mas não é só por causa dos açorianos que regressam às origens.

Quem trabalha em alojamento esclarece que a afluência de emigrantes não é tão grande quanto muitos imaginam, já que frequentemente esse público pernoita em casas de família e não em espaços turísticos.

O acolhimento de luso descendentes que já nasceram fora dos Açores parece ser um cenário mais comum. Aqueles que, tal como terá feito Tom Hanks, vão à procura das suas origens.

Por outro lado, os canadianos sem qualquer ligação ao arquipélago são um target a explorar.

“É preciso que os Açores comecem a embrulhar a sua oferta e apresentá-la não só aos descendentes dos emigrantes, mas também aos cidadãos sem qualquer ligação ao arquipélago”, considera o presidente das Casas Açorianas, Gilberto Vieira.

“Estamos perto, temos um clima ótimo. No caso do mercado canadiano, já se nota que estão a vir mesmo na época baixa. Este clima comparando com o do Canadá é ouro!”

Este “ouro” açoriano tem atraído cada vez mais turistas. Em 2023, os Açores bateram todos os recordes no setor, com os alojamentos turísticos a registarem cerca de 3,8 milhões de dormidas e 1,2 milhões de hóspedes. Segundo o Serviço Regional de Estatística (SREA), são os valores mais altos desde que há registos.

O crescimento do setor soa o alerta da massificação. Entre os empresários presentes na conferência, a opinião sobre esse risco parece ser unânime.

“Ninguém quer massificar o turismo nos Açores. Temos os exemplos das Canárias ou das Baleares, em Espanha. Penso que nenhum açoriano, empresário ou não, quer chegar a esse ponto”, considera Nuno Rosa.

Por outro lado, a massificação não anda de mãos dadas com um dos principais traços dos Açores: a Natureza.

Para Carlos Coelho, um dos grandes nomes da criação e gestão de marcas em Portugal, este é o principal ativo turístico do arquipélago. Ainda assim, é preciso ter cuidado para não fazer dos Açores uma “Las Vegas da Natureza”.

“Haverá sempre uma tendência para maximizar a Natureza e esse não me parece um bom caminho. Temos de entender a nossa relação com a Natureza não como um parque de diversões, mas como algo de que fazemos parte”, diz o especialista, em entrevista ao CMC.

A aposta no que é natural e autêntico parece ser o rumo a seguir. O representante do Governo Regional presente no encontro considerou que os Açores estão a fazer um bom trabalho.

“A não procura da massificação do turismo, mas daquilo que é identitário é o garante de que estamos a fazer um bom trabalho”, considera Daniel Gonçalves, delegado da Secretaria Regional do Turismo em Santa Maria.

Um dos desafios, agora, é sensibilizar a comunidade local para o que os turistas procuram. Durante o encontro, foi apontado um aspeto que em alguns contextos é preciso melhorar: nos locais turísticos, nem sempre há produtos locais, o que fragiliza o posicionamento de autenticidade do arquipélago.

Carlos Coelho diz que a promoção dos produtos locais deve ser um “eixo estratégico” para o futuro.

Fatores identitários à parte, o tema mais quente durante o encontro foi a sazonalidade. Na audiência, houve mesmo quem dissesse que o motivo do encontro deveria ser como combater este problema.

Um dos maiores flagelos do setor é a escassez de turistas na época baixa, em contraste com abundância e até superlotação na época alta.

Uma das consequências da sazonalidade é a impossibilidade de reter mão de obra qualificada, já que muitos não querem trabalhar só nos meses de verão.

“Tentar limitar os meses fortes e diluir pelos outros meses era muito importante que se conseguisse fazer”, considera Nuno Rosa.

“Para que consigamos manter a qualidade dos serviços, a atividade turística precisa de alargar o período de estação alta, é aí que tem de ser feito um trabalho promocional mais afincado”, diz, por sua vez, Gilberto Vieira.

“Os Açores são a região com o maior potencial para cativar um nicho de pessoas interessadas no contacto com a Natureza, boa alimentação, qualidade de vida. Em resumo: aquilo que o ser humano mais precisa!”

E talvez seja essa a melhor forma de descrever os Açores: um lugar de encontro com o que é essencial.

 Foto: CMCTV/Teresa Lencastre