*** Catarina Domingues, enviada da agência Lusa ***
Seul, 06 dez 2024 (Lusa) — Resistindo às baixas temperaturas, manifestantes mantinham-se hoje à noite (hora local) à frente do parlamento sul-coreano a pedir a prisão do Presidente Yoon Suk-yeol, que, na terça-feira, decretou lei marcial. “Prendam-no já”, ouve-se.
Quando na terça-feira Park Joo-seok se juntou a centenas de pessoas numa manifestação à frente da Assembleia Nacional pelos direitos das pessoas com deficiência, estava longe de adivinhar que o Presidente sul-coreano ia declarar horas mais tarde lei marcial.
Nesse 03 de dezembro, o ativista de 29 anos assinalava o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Acabou por se juntar a uma segunda causa: a destituição do dirigente Yoon Suk-yeol.
“Viemos para a estação de metro da assembleia, porque queríamos passar aqui a noite. Às 23:00 [horas locais], o Presidente decretou lei marcial em direto. Houve quem estivesse preocupado que viessem tanques, porque as pessoas com deficiência teriam dificuldade em movimentar-se, mas achámos que devíamos ficar em nome da democracia”, conta à Lusa, no terceiro dia de manifestações.
Numa comunicação que apanhou de surpresa ao país, Yoon justificou a imposição da lei marcial com a necessidade de “erradicar forças a favor da Coreia do Norte e proteger a ordem constitucional”, acusando ainda a oposição de atividades contra o Estado e de conspirarem “para uma rebelião”.
Poucas horas depois, o líder, número um do Governo da Coreia do Sul, uma democracia representativa presidencialista, declarou a suspensão da lei marcial, que tinha sido entretanto revogada pelo parlamento.
“A destituição de Yoon é necessária”, afirma Park, membro da associação Solidarity Against Disability Discrimination, que tem uma banca na estação de metro da Assembleia Nacional.
“Lei marcial só mesmo nos livros da escola”, reage Seung Hee-ko, que por ali passa a caminho do parlamento. Com 18 anos, esta finalista do ensino secundário, que diz estar indecisa entre os estudos em Sociologia ou Filosofia, admite que nunca esperou que o país “seguisse este caminho”.
“Vivo numa democracia. Mesmo sabendo que os governos fizeram coisas que não são democráticas, como atos de censura, nunca achei que a Coreia [do Sul] fosse tão pouco democrática”, nota.
Seung, que defende a queda de Yoon, nomeia a corrupção como a maior nódoa no currículo do Presidente. E cita vários casos, nomeadamente os escândalos que envolveram a mulher e a sogra do dirigente.
“Quero viver numa nação democrática, porque quero que os meus sonhos e o meu futuro sejam baseados na democracia e no que os cidadãos querem e não no que um ditador quer”, assevera.
Ao sair da estação de metro, uma multidão, com gente de todas as idades. Toca num altifalante “Do You Hear the People Sing?”, um dos principais temas do musical “Les Misérables”, e que serviu de hino para os gigantes protestos antigovernamentais de 2019 em Hong Kong.
Por volta das seis da tarde (menos nove horas em Lisboa), na avenida Uisadang-daero, que termina na Assembleia Nacional, ouvem-se palavras de ordem contra Yoon Suk-yeol.
Estão dois graus centígrados, mas o frio não demove ninguém.
“Rebelde, prendam-no já”, gritam as pessoas repetidamente. A caminho do parlamento, posters de Yoon no chão, pisados por centenas de manifestantes que por ali passam, pedem também a detenção do líder. Pessoas caminham com velas falsas, erguem cartazes, uma mulher segura a bandeira dos Estados Unidos.
“Temos de prender Yoon”, junta-se ao coro Youn Sik-choi, de 26 anos. “Estou aqui porque tenho medo que o Presidente declare uma segunda vez lei marcial”, diz à Lusa, já do outro lado da avenida.
Depois, o semáforo para os peões fica verde, a polícia dá ordem de passagem, uma multidão atravessa para o outro lado. Não há qualquer tensão no ar.
“A maioria da população apoia a destituição, até a polícia”, considera Yu Hyun-mi, ilustradora formada em literatura inglesa, na casa dos 50 anos, e que aqui está pela segunda noite para se juntar a esta “reunião histórica”.
Na terça-feira, veio “proteger o parlamento”. “Porque precisamos”, justifica Yu, que acredita que Yoon declarou lei marcial “para se proteger a ele próprio e à mulher”.
“Isto é um absurdo, nunca esperei. Como se atreveu?”, questiona.
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