ENTREVISTA: Enólogo português Gonçalo Lopes exporta para o Canadá

Parceria com Doc Wines permite acesso da comunidade luso-canadiana a vinhos portugueses

 

Gonçalo Lopes, nascido em 1971 em Vila Nova de Famalicão, cresceu numa família dedicada à produção agrícola, incluindo a produção de vinhos verdes na região do Minho. Desde jovem, acompanhou toda a atividade familiar. Atualmente, é consultor das principais regiões vitícolas do norte de Portugal e tem um projeto de produção de vinhos que completou este ano 20 anos: o ‘Secret Spot Wines’. O enólogo veio ao Canadá perceber a extensão da exportação de Portugal para este mercado, com o seu parceiro Doc Wines, a convite de Amândio Martins. Esteve nos estúdios da CMCTV para uma entrevista exclusiva, onde partilhou um pouco do seu percurso e projeto.

 

Correio da Manhã Canadá (CMC): Como é nascer numa família ligada à produção agrícola e, apesar de todas as exigências do ramo, querer seguir esta área?

Gonçalo Lopes: Eu nasci e cresci numa quinta com muita produção agrícola, não só de uva e vinhos. E acompanhei todos os processos da agricultura. Não é fácil, porque eram muitas as exigências do dia a dia. Mas eu sinto-me um bocado privilegiado, porque tive oportunidade de estudar e trabalhei pouco no campo. A partir dos anos 90, devido às controvérsias da agricultura, decidimos apostar só na produção do vinho. Em 1997, estabeleci-me como produtor de vinho, jovem agricultor, nos vinhos verdes, porque a nossa família é dos vinhos verdes. A partir de 2000, o meu pai comprou uma propriedade no Douro e, em 2004, começámos a produzir com as marcas do Douro, a marca Lacrau.

 

CMC: Desde muito jovem abraçou os negócios de produção de vinhos da sua família. Houve algum momento em que reconsiderou se este era o caminho da sua vida?

GL: Sempre gostei do campo, embora hoje viva na cidade do Porto. Mas desde jovem que gosto da agricultura. Comecei por estudar e finalizar o secundário numa escola agrícola, em Santo Tirso, e depois formei-me em Engenharia Agrícola, em Vila Real. Agora, não hesito, porque tenho descendentes e quero deixar-lhes isto. Mas, também, hoje em dia, o meu trabalho é muito menos agrícola do que era no início.

 

CMC: Já foi duplamente gratificado com premiações de viticultor do ano. Fale-nos um pouco sobre esses prémios.

GL: Quando me formei, especializei-me em viticultura, primeiramente, e só depois em viticultura, mas sempre tive um objetivo de ser rigoroso no trabalho: ter as propriedades e as vinhas bem cuidadas. Fui reconhecido devido a este esforço, primeiro pela Comissão dos Vinhos Verdes, como jovem viticultor do ano e depois, também, como dou consultadoria de viticultura, através de um cliente que foi gratificado com o prémio viticultor por uma revista da especialidade em Portugal.

CMC: O seu projeto ‘Secret Spot Wines’ completou este ano 20 anos. Como surgiu esta ideia e porquê?

GL: Sim, começamos a produzir em 2004. Quando começámos, o Douro era conhecido pelos vinhos tintos. Apostámos e equipámos a adega para produção de vinho tinto, lentamente e com pouca produção. E criámos a marca ‘Secret Spots’, sediada em Favaios. Favaios tem a particularidade de ser um Douro diferente, um Douro de altitude, a 600 metros. Começámos a fazer ensaios com uvas brancas e chegámos à conclusão que a propriedade produz muito boas uvas para vinho branco e uvas tintas para rosé. As uvas tintas que produzimos para os nossos vinhos tintos são de zonas do Douro com uma cota mais baixa, a 200 a 300 metros, e são provenientes, principalmente, do Vale do Rio Pinhão, do Vale do Rio Torto e, depois, da zona São João da Pesqueira, virada ao rio Douro.

O ‘Secret Spot’ é uma história muito engraçada, porque eu e o meu sócio, na altura, estávamos ligados ao mar, ao surf e à vela, e há sempre a conexão do ‘secret spots’ ser um local secreto para os surfistas. E nós temos vários produtores que produzem uvas em vinhas velhas, pequenas e espalhadas por toda a região do Douro. Nós resolvemos produzir esses vinhos em vinhas velhas e em lagares muito pequenos, fermentando e estagiando em barricas vinha a vinha. Durante o ano, vamos provando essas vinhas velhas e vamos decidindo quais marcas vamos engarrafar, seja o Lacrau tinto, reserva, superior ou mesmo garrafeira. A melhor vinha de cada ano engarrafamos com a marca ‘Secret Spots’. Tentamos que seja diferente ano a ano, mas nunca revelamos de que vinha é, para que possa haver uma curiosidade do consumidor à mesa com amigos, clientes ou empresários, conversarem, e haver um convívio à mesa sobre o vinho.

 

CMC: E dos vinhos produzidos no seu projeto, qual aquele que lhe dá maior gratificação?

GL: Esta é uma pergunta ingrata, porque é como ‘qual é o filho que mais gosta?’ e eu tenho dois. Eu gosto de todos, mas tenho preferência por dois: os vinhos pelos quais somos reconhecidos, o Lacrau Superior Branco e o Lacrau Superior Tinto. Mas, sem dúvida, temos um produto que é um nicho de mercado da zona de Favaios: o Moscatel Licoroso. É muito gratificante produzir esse vinho e já temos um de 10 anos.

 

CMC: Qual a sua ligação com o mercado de vinhos no Canadá?

GL: Na ‘Secret Spot Wines’ temos sempre o objetivo de exportar e mostrar ao mundo o que produzimos. Fechamos 2023 com 35% da exportação e queremos abrir a mais mercados. No Canadá estamos com a Doc Wines, há praticamente quatro anos, e vim cá para perceber como funciona o mercado e qual produto se encaixa mais com os clientes. Este é um mercado que apostamos, porque sabemos que é dada muita importância ao vinho. E tem uma comunidade portuguesa representativa que gosta de consumir os produtos portugueses.

 

CMC: Como é ser enólogo num país rico em produção de vinhos reconhecidos mundialmente?

GL: Trabalho nas extraordinárias regiões do Minho e do Douro, o que me dá muito prazer, porque, apesar de viver na cidade, estou na natureza. Mas o trabalho começa a ser mais exigente, porque há muita competição e isso obriga a percorrer o mundo e a apresentar os nossos vinhos, contar a nossa e a história de cada garrafa. Mas é bastante gratificante.

 

CMC: Tem alguma mensagem especial para os seus consumidores?

GL: Apenas que continuem a apostar no consumo de vinhos portugueses, pois precisamos de divulgar ao mundo que temos bons e gratificantes produtos vinícolas, apreciados por quem prova.