É preciso diagnosticar qual o problema das alterações climáticas antes de resolver – Frankopan

Lisboa, 08 jul 2024 (Lusa) – O historiador e professor na Universidade de Oxford Peter Frankopan considera, em entrevista à Lusa, que “é preciso ser capaz de diagnosticar qual é o problema” das alterações climáticas antes de tentar resolver.

No seu mais recente livro “A História do Mundo – Do Big Bang até aos dias de hoje”, Frankopan conta, ao longo de mais de 600 páginas, como a crise do clima sempre acompanhou a história do planeta e como as alterações climáticas tiveram impacto na história humana.

“Estamos todos aterrorizados com as alterações climáticas, quero dizer, exceto uma pequena minoria que não acredita nisso, mas basta olhar para os incêndios florestais em Portugal nos últimos dois anos, olhar para as temperaturas em Chipre” para o ver o seu impacto, começa por dizer Frankopan.

Embora não tenha a solução – porque os “historiadores nem sempre são bons preditores do futuro” -, “é preciso ser capaz de diagnosticar qual o problema antes de tentar resolver”, diz, quando questionado sobre o que pode ser feito.

Frankopan recorda que durante uma parte substancial da existência do mundo, o clima do planeta “não teria sustentado” a vida humana. Mas atualmente “vivemos em condições ambientais boas para a nossa espécie e isso é muito incomum”, comenta.

“Então por que isso importa? Bem, se as coisas ficarem demasiado quentes e o nível do mar subir ou a vida se tornar difícil ou se houver demasiado dióxido de carbono na atmosfera, isso é muito mau para nós”, mas “a natureza realmente não se importa com os humanos e isso é ótimo para outros animais”. Por exemplo, se for “um mosquito ou um exército de vermes, então o aquecimento é ótimo”, ilustra.

Com este livro, Frankopan espera pôr as pessoas a pensar no mundo como um todo e não para o seu ‘umbigo’.

Desde sempre, os humanos tentaram intervir no clima, quer por via da “sua compreensão, mas também através da oração”, desde fazer “oferendas à igreja” ou de outros sistemas de crenças.

Na história da Arca “Deus pune” a humanidade, com exceção de Noé, mas pede que ele leve dois de cada animal, um exemplo da “biodiversidade”. A maioria das pessoas, crianças, prossegue, “vão pensar em elefantes, rinocerontes”, mas não em “polinizadores e insetos”.

Nos últimos 150 anos, os “humanos têm estado ocupados a tentar alterar deliberadamente o clima”, nomeadamente através de coisas como o ar condicionado. Mas isso apenas melhora uma parte da vida das pessoas, porque para as mais pobres é difícil o seu acesso.

As novas tecnologias, a inteligência artificial (IA), estão a trabalhar no sentido de encontrar soluções e todos no mundo académico estão a refletir sobre as várias maneiras de como se pode reverter alguns dos piores impactos, sublinha.

“O que se aprende com a história é que, se não estivermos preparados, as consequências podem ser catastróficas”, quer em termos de abastecimento de alimentos, como de água ou de provisões, adverte.

Provavelmente, “a pandemia do coronavírus foi um bom alerta sobre até que ponto precisamos ser autossuficientes”, considera, dando o exemplo que atualmente se deixou passar a ideia de a agricultura é algo que é feito por pessoas que não precisam de ser qualificadas.

Sobre a forma como o clima afetou a história da humanidade, Frankopan dá o exemplo “das grandes mudanças na história chinesa”, em que todas elas “tiveram um contexto climático” ou maiores eventos de mortalidade na história da humanidade como a Peste Negra, que “matou 45% da população em Portugal”, que tem uma “série de ligações que remontam a redes de transporte, mas também a alterações biológicas e patogénicas”.

Depois há “acontecimentos extremos desencadeados por erupções vulcânicas, chuvas fortes, secas” que têm impacto no ser humano, já que “as alterações no ambiente podem trazer desafios”, aponta. Mas, “como em todas coisas, um desafio para um grupo de pessoas é, muitas vezes, uma oportunidade para outros”.

“A natureza resolve-nos o problema da sobreexploração, se neste momento estamos a gastar 1,6 vezes os recursos do mundo é um pouco como pedir dinheiro emprestado ao banco: a dada altura quando o banco disser para devolver o dinheiro, se não puder, haverá consequências”, ilustra o professor de História Mundial.

Por exemplo, “a maioria de nós não pensa no óleo de palma usado em determinados chocolates”, que tem como consequência a destruição “dos habitats dos orangotangos, mas também toda a outra biodiversidade”.

Em termos de relação entre o mundo natural e os humanos, o certo é que “nós mudamos o mundo para atender as nossas necessidades” e há espaço “para coisas boas”, tal como os chocolates, mas “é a sustentabilidade que é o desafio”.

Questionado acerca de que período histórico elegeria, o historiador diz que “vale a pena estudar o impacto das alterações climáticas e da biodiversidade no império Maia, provavelmente vale a pena pensar nisso”.

Ou “porque é que os rendimentos das colheitas no califado do Império Abássida caíram 45% num período de tempo bastante curto”.

“Acho que meu trabalho é abrir as portas e lançar luz e, idealmente, fazer isso de uma forma que conecte as pessoas, explicando por que é importante que você saiba sobre isso”, diz quando questionado o que o motivou a escrever sobre o tema.

“Precisamos lembrar que às vezes precisamos ser corajosos (…) e não apenas olhar para o nosso próprio reflexo no espelho, mas ocasionalmente (…) olhar ao redor do mundo inteiro porque isso é que é um verdadeiro desafio aqui, (…) precisamos expandir a nossa compreensão do mundo como um todo”, defende.

E remata: “Como historiador não apostaria no facto de que tudo se resolverá sozinho porque a história, da forma como a aprendemos na escola, é sempre sobre déspotas, tiranos, guerras, sofrimento, genocídio”.

ALU // EA

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