Lisboa, 24 jun 2020 (Lusa) — O Banco de Portugal considera que os bancos portugueses podem vir a sofrer perdas decorrentes da exposição a economias penalizadas pela evolução do preço do petróleo, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira hoje divulgado.
A recente crise desencadeada pela covid-19 tem colocado pressão sobre as economias dos países produtores de petróleo, o que, segundo o banco central, aumenta “o risco de contraparte para os agentes económicos com exposições relevantes, diretas e indiretas”.
Este é o caso dos bancos portugueses com operações em Angola, cujos principais são a Caixa Geral de Depósitos (CGD), BCP e BPI.
Segundo o Banco de Portugal, “o sistema bancário português continua exposto, direta e indiretamente, à atividade internacional em certas geografias particularmente sensíveis à evolução do preço do petróleo”, pelo que “eventuais perdas nas exposições diretas a estas economias poderão ocorrer devido à materialização do risco de crédito (soberano e privado), cambial e de mercado (preço das matérias-primas)”.
A estas perdas poderão somar-se ainda outras, avisa a instituição liderada por Carlos Costa, por via dos empréstimos dos bancos a empresas que têm atividade nestes países.
No final de maio, a Lusa contactou analistas sobre as operações dos bancos portugueses a Angola, que se mostraram preocupados com a situação económica do país, nomeadamente pelo preço do petróleo mas também pelas perspetivas cambiais e o impacto que isso tem nos bancos com operações ou ligações ao país.
Segundo Nuno Caetano, da Infinox, a desvalorização do kwanza tem um efeito negativo nos bancos portugueses e mesmo aqueles que consigam melhorar os resultados da operações no país podem ser penalizados na consolidação de contas pela desvalorização da moeda angolana.
Um dos impactos é na dívida que os bancos contratam em dólares ou em euros e que a desvalorização cambial do Kwanza afeta, além de que os mecanismos de proteção cambial se tornam difíceis face ao contexto de volatilidade da moeda.
Já questionado sobre a eventualidade de os bancos tentarem reduzir as operações em Angola, neste contexto, Nuno Caetano admitiu que até pelas imparidades crescentes que os bancos vão ter de criar face à crise desencadeada pela covid-19 alguns bancos poderão decidir alienar participações no exterior e no caso de Angola a divisa pode ser uma condicionante específica que contribua para essa decisão.
Por seu lado, Filipe Garcia, da IMF — Informação de Mercados Financeiros, considerou que o principal fator a condicionar as operações dos bancos portugueses em Angola são as perspetivas económicas do país, que se agravaram com a crise desencadeada pela covid-19, que paralisou a atividade económica e penalizou ainda mais os preços do petróleo.
“O que me parece ser mais preocupante para os bancos com ligações e operações em Angola são as perspetivas económicas a médio e longo prazo. Sem preços do petróleo pelo menos ao dobro dos níveis atuas será difícil ver a economia a reacelerar”, afirmou.
Também os três maiores bancos portugueses com participações em Angola demonstram estar atentos à situação do país e impactos nas suas operações.
Em 13 de maio, o presidente executivo da CGD, Paulo Macedo, louvou o processo de liberalização cambial de Angola e a importância de empresas que investem no país conseguirem fazer pagamento de dividendo e repatriamento de dinheiro, mas reconheceu a “grande volatilidade devido à questão cambial”.
A CGD detém o Banco Caixa Geral Angola, que contribuiu em quatro milhões de euros para os lucros de 86,2 milhões de euros registados pelo banco público no primeiro trimestre.
Pelo BCP, também o presidente executivo, Miguel Maya, disse, em 19 de maio, que “têm vindo a ser implementadas medidas estruturais da maior relevância para a sustentabilidade da economia e para o funcionamento regular das instituições”.
A situação em Angola “está muito afetada pelo preço do petróleo, que está agora a recuperar qualquer coisa mas foi muito marcada”, e os resultados da operação do BCP em Angola (participação de 22,5% no Banco Millennium Atlântico) “estão muito impactados por isso” (contribuição de 1,4 milhões de euros para os lucros de 35,3 milhões de euros trimestrais).
Segundo Miguel Maya, o BCP está “a acompanhar aquilo que se está a acontecer e com muita regularidade”, mas com a “tranquilidade” de deter apenas 22,5% de um banco.
Já fonte oficial do BPI, que detém 48,1% do Banco de Fomento Angola (BFA), disse que “o BFA é um banco forte e muito capitalizado” e que “tem resistido bem à conjuntura adversa e está preparado para enfrentar as dificuldades que se antecipam”.
O BPI registou um lucro de 6,6 milhões de euros no primeiro trimestre de 2020, tendo o BFA contribuído com 1,2 milhões de euros negativos. O BPI tem uma recomendação do Banco Central Europeu (BCE) para reduzir a sua operação em Angola.
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