Praia, 26 mar 2021 (Lusa) – A Comissão Nacional de Eleições (CNE) cabo-verdiana mandou suspender a moratória governamental para baixar ou isentar as rendas sociais das famílias afetadas pela pandemia, alegando que pode “favorecer” o partido que suporta o Governo nas próximas eleições legislativas.
De acordo com uma deliberação do plenário da CNE, adotada por unanimidade em 17 de março e publicada hoje, em causa está uma queixa apresentada pelo Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), alegando que a medida aprovada pelo Governo, publicada em 05 de março, violava o Código Eleitoral e tinha “claras motivações de propaganda eleitoral enganosa”.
Além de dar provimento à queixa, ordenando a suspensão da medida até 18 de abril, data das eleições legislativas, “reforçando as condições de uma disputa igualitária entre as diferentes candidaturas”, a CNE ordenou a participação do caso ao Ministério Público, para “efeitos de averiguação e responsabilização criminal”.
“A isenção do pagamento do valor da renda traduziria num ato do Governo com vantagem ou benefícios a particulares, potencialmente ficariam mais propensos a aderir às propostas de governação do partido que sustenta o Governo, e candidato às eleições de 18 de abril, o que acontecendo constitui claramente a prática de um ato pelo Governo com potencialidade de favorecer o partido político [Movimento para a Democracia] que o sustenta em detrimento dos demais, com recurso a bens públicos, violando assim o dever de neutralidade e imparcialidade”, lê-se na deliberação da CNE.
A Lusa noticiou em 08 de março que o Governo cabo-verdiano decidiu isentar durante um ano o pagamento de rendas em habitações sociais às famílias sem rendimentos e as restantes vão ver o valor reduzido, até nove euros por mês, devido às consequências económicas da pandemia.
A medida, que se aplica a milhares de habitações de renda social que estão sob a gestão direta dos municípios ou dos gabinetes públicos de realojamento, abrange as “famílias já realojadas e por realojar”, conforme resolução de 05 de março, aprovada pelo Conselho de Ministros, à qual a Lusa teve acesso.
Desde logo é estipulado que nos casos comprovados de perda do rendimento total do agregado familiar, em consequência da perda de emprego ou com rendimento mensal de até 5.000 escudos (45 euros), essas famílias ficam isentas do pagamento da renda social, o mesmo acontecendo nos casos de desemprego anteriores à pandemia de covid-19.
No texto da resolução, o Governo recorda que na implementação do Programa Estratégico de Desenvolvimento Sustentável (PEDS) de Cabo Verde 2017-2021, foi definido como prioritário “o acesso à habitação condigna das famílias mais vulneráveis”.
Contudo, aquando da sua implementação “não se previa uma situação tão devastadora desta natureza, cujas consequências obrigaram os decisores a adotar medidas urgentes e inadiáveis”.
“É nesse sentido que o Governo de Cabo Verde assume a isenção ou redução das rendas das habitações de interesse social como um compromisso primordial, não só nos termos da justiça social, mas também pela forma de assistir às famílias, sendo que a perda de emprego e/ou a redução de rendimento por si só constituem uma circunstância hábil para se justificar a diminuição ou a isenção das prestações das rendas para as habitações de interesse social”, lê-se na resolução.
É ainda fixado que nos casos dos agregados familiares com um rendimento total acima de 5.000 escudos (45 euros) passa a ser cobrada uma renda social mensal de 1.000 escudos (nove euros), e de 10.000 a 15.000 escudos (90 a 135 euros) a renda passa a ser de 2.000 escudos (18 euros), enquanto para os rendimentos de 15.000 a 25.000 escudos (135 a 225 euros) a renda é fixada em 3.000 escudos (27 euros) e nos rendimentos superiores a 25.000 escudos (225 euros) baixa para 4.000 escudos.
O turismo representa 25% do Produto Interno Bruto (PIB) de Cabo Verde, com um recorde de 819 mil turistas em 2019, mas o setor está praticamente parado há um ano, devido às restrições impostas com a pandemia de covid-19.
Num cenário de crise generalizada, com a previsão oficial, em 2020, de uma recessão económica superior a 10% do PIB e a duplicação da taxa de desemprego, para 20%, face a 2019, o Governo admite que a recuperação da atividade económica “será efetuada de forma gradual” e que “cerca de metade do emprego perdido poderá não ser recuperado até finais de 2021”, justificando desta forma a redução no valor das rendas sociais.
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