Adis Abeba, 22 mar 2021 (Lusa) – A secretária-executiva da Comissão Económica das Nações Unidas para África considerou hoje que Angola foi o único país até agora que conseguiu reestruturar a dívida privada sem que isso implicasse uma descida do ‘rating’.
“Angola foi uma espécie de precursor do que o Enquadramento Comum para o tratamento da dívida para além da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI) devia ser, porque de certa maneira as autoridades conseguiram negociar com os credores chineses públicos e privados e tiveram longas conversações e resolver a dívida, antes do lançamento do Enquadramento Comum, tiveram sorte e fizeram isso rapidamente, mas ainda nenhum país passou pelo processo do Enquadramento”, disse Vera Songwe.
Em entrevista à Lusa à margem da conferência dos ministros das Finanças africanos, que decorre até terça-feira, a responsável confirmou a visão de que a adesão a esta iniciativa lançada pelo G20 para lidar com a dívida insustentável, para lá da DSSI, implica uma descida do ‘rating’, mas desvalorizou a questão.
“Não se pode ter o bolo e comê-lo ao mesmo tempo”, disse Vera Songwe, salientando que “até agora houve três países que aderiram ao Enquadramento Comum, ao passo que houve 27 que aderiram à DSSI, permitindo libertar 5 mil milhões de dólares”, cerca de 4,2 mil milhões de euros.
A DSSI, apontou, “não afeta diretamente o rating, enquanto o Enquadramento Comum, sim, temos de ser muito claros nisto, porque é uma reestruturação da dívida privada e quando se adere, tem de haver obrigatoriamente um tratamento comparável entre os credores privados e os credores públicos”.
Uma descida no ‘rating’ não é o fim do mundo, defendeu, por isso “quem precisa de uma reestruturação da dívida tem de lhe chamar isso mesmo e dizê-lo, porque há demasiado estigma” à volta da questão, disse a líder da ONU em África, lembrando que vários países na América Latina, como o Equador e a Argentina, já passaram pelo mesmo.
“Se a dívida é insustentável, é preferível aderirem ao Enquadramento Comum do que terem uma evolução desordenada do problema”, afirmou, salientando que o processo está em curso “porque nenhum país completou o Enquadramento Comum”.
Questionada sobre se a UNECA defende um perdão ou um alívio da dívida, Vera Songwe respondeu: “Um perdão de dívida ou uma reestruturação em países com acesso ao mercado leva a uma descida imediata do ‘rating’, mas para os muito, muito pobres, continuamos a defender o perdão, porque por exemplo para o Mali o acesso ao mercado não é uma preocupação, porque não têm oportunidades viáveis para cumprir as suas obrigações financeiras”.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), lembrou, “já perdoou dívida aos 17 países de muito baixo rendimento, ao abrigo da Facilidade de Alívio Rápido”, e por isso o alívio de dívida, ou seja, a suspensão dos pagamentos, deve ser para os países que têm um bom enquadramento macroeconómico.
“Convém lembrar que esta crise não é uma crise de África, não surgiu devido a má gestão; África sofreu porque não tem acesso a uma moeda forte, e enquanto os países desenvolvidos deram 20% do seu PIB em estímulos à economia, com os Estados Unidos a aprovarem um plano de 1,9 biliões de dólares [1,6 biliões de euros], o Japão com 700 mil milhões de dólares [587 mil milhões de euros], os 54 países de África estão a pedir 100 mil milhões de dólares [84 mil milhões de euros] em termos de acesso mais fácil ao mercado”, disse Vera Songwe.
“Não podemos esperar que África colapse, temos de garantir que África não colapsa porque África é parte da comunidade global”, concluiu.
A DSSI é uma iniciativa lançada pelo G20 em abril do ano passado que garantia uma moratória sobre os pagamentos da dívida dos países mais endividados aos países mais desenvolvidos e às instituições financeiras multilaterais, com um prazo inicial até dezembro de 2020, que foi depois prolongado até junho deste ano, com possibilidade de nova extensão por seis meses.
Esta iniciativa apenas sugeria aos países que procurassem um alívio da dívida junto do setor privado, ao passo que o Enquadramento Comum, aprovado pelo G20 em novembro, defende que é forçoso que os credores privados sejam abordados, ainda que não diga explicitamente o que acontece caso não haja acordo entre o devedor e o credor.
Este Enquadramento pretende trazer todos os agentes da dívida para o terreno, incluindo os bancos privados e públicos da China, que se tornaram os maiores credores dos governos dos países em desenvolvimento, nomeadamente os africanos.
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