Gazene, uma comunidade isolada a menos de uma hora do centro da capital moçambicana

Maputo, 16 jul 2023 (Lusa) — Afonso Xerinda está há 30 minutos à espera do único barco que dá acesso a Gazene, uma comunidade com mais de 200 pessoas isolada por um braço do rio Incomáti, a 30 quilómetros do centro da capital moçambicana.

“Quando a maré está alta, nós somos obrigados a usar o barco. Mas quando a maré está baixa, atravessamos mesmo o rio andando”, conta à Lusa Afonso Xerinda, 33 anos, na margem, à espera que mais pessoas que vivem no interior da comunidade cheguem para que a única embarcação precária que faz a travessia faça a primeira viagem do dia.

São quase 09:00 (08:00 em Lisboa) e hoje a maré está relativamente baixa.

Alguns moradores já se arriscam numa viagem a pé, levam as suas trouxas à cabeça e as crianças ao colo para atravessar, sempre com cuidado para não escorregarem no meio da lama típica das margens de cada desvio dos 287 quilómetros que fazem a extensão do rio Incomáti em território moçambicano.

“O barco para de circular as 16:00. Há muitas pessoas que ainda não estão em casa essa hora, que normalmente já tem uma maré alta […] As crianças que têm de ir à escola são as que mais sofrem. Chegam à escola sujas e com os livros molhados, quando a maré está alta”, explica à Lusa Ângelo Chichava, outro morador de Gazene.

Quando o sol se põe, entrar e sair da comunidade é impossível, mesmo em casos de emergência, explica o pescador Alberto Timane, residente do bairro desde 1978.

“Quando a minha esposa ficou grávida, nas proximidades do parto, eu fui deixá-la na casa de um familiar na cidade. Não podia correr o risco de o trabalho de parto dela começar de noite e nós não termos como sair daqui para o hospital”, conta à Lusa o pescador.

Na primeira viagem de hoje, a embarcação, cuja única garantia de segurança é uma corda esticada entre as duas margens, sai com cinco pessoas, mas a maré está muito baixa e o barco acaba preso numa das dunas de areia.

Os jovens tripulantes, pescadores do bairro, têm de descer para empurrar o barco até à outra margem, enquanto Afonso e outros passageiros ajudam a retirar a água que vai invadindo a embarcação, visivelmente já degradada.

“É uma embarcação mesmo precária e não vejo a segurança como das melhores. Felizmente até agora não tivemos nenhum acidente. Mas é algo preocupante”, admite à Lusa Ricardo Leite, um morador de origem portuguesa que se instalou em Gazene há quase dois anos.

Mas o dilema de quem vive em Gazene não está só na travessia, o bairro, localizado no distrito de Marracuene, está isolado do resto da capital moçambicana: não há hospitais, escolas, água potável, nem um posto policial.

A aparente quietude que domina a comunidade, longe da azáfama típica do centro urbano da capital, não esconde o desespero das famílias que vivem à mercê da sua sorte em Gazene, num paradoxo em que a miséria de populações abandonadas no meio do nada se mistura com o espetáculo natural oferecido por uma entre as várias belas praias que Maputo tem.

“As estruturas têm o conhecimento, mas estes problemas têm anos […] Parece-me que Gazene está esquecido”, declara Zita Pedro, uma comerciante local.

As autoridades admitem que estão cientes das dificuldades dos moradores da comunidade, mas lembram que a falta de recursos para financiar infraestruturas é um dilema comum nos 154 distritos que compõem o território moçambicano.

“Falámos com alguns operadores e alguns investidores para que nos apoiem na criação de condições. Mesmo a questão da ponte que é necessária, já levámos às estruturas administrativas distritais”, diz à Lusa Pires Manhiça, conselheiro da estrutura administrativa.

Enquanto as soluções não chegam, quando o sol descansa, as mais de 200 famílias que vivem em Gazene continuarão isoladas do resto do mundo, mesmo vivendo a menos de uma hora do centro da capital moçambicana.

*** Estevão Chavisso (texto e vídeo) e Luísa Nhantumbo (fotos) da agência Lusa ***

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