Tribunais de Cabo Verde passam a poder julgar, a partir de julho, arguidos em fuga

Praia, 06 abr 2021 (Lusa) – A revisão ao Código de Processo Penal cabo-verdiano, com alterações em praticamente cem artigos, entra em vigor dentro de 90 dias e tem como novidade a introdução da declaração de contumácia, permitindo julgar arguidos em fuga.

Trata-se da terceira revisão ao Código do Processo Penal desde a sua aprovação, em 2005, e que teve o voto favorável unânime da Assembleia Nacional em dezembro, mas cuja versão inicial foi vetada e devolvida ao parlamento, em fevereiro, pelo Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, depois de o Tribunal Constitucional ter declarado a inconstitucionalidade de algumas novas normas.

Em concreto, segundo o chefe de Estado, o Tribunal Constitucional decidiu na altura pronunciar-se pela inconstitucionalidade de normas por violação do direito à presunção de inocência do arguido e do direito à imagem, por violação da liberdade de informação, por violação das garantias de defesa e do direito ao silêncio, por violar os direitos à liberdade e à propriedade, entre outras.

A nova versão foi aprovada no início de março pelo parlamento, promulgada em 23 de março pelo chefe de Estado e publicada em Boletim Oficial em 05 de abril, para entrar em vigor 90 dias depois.

O texto foi aprovado “após ter sido expurgado das inconstitucionalidades materiais recortadas e declaradas pelo Tribunal Constitucional, na sequência do pedido de fiscalização preventiva, nos termos constitucionais”, explicou anteriormente Jorge Carlos Fonseca.

“Se, depois de realizadas as diligências necessárias à notificação, não for possível notificar pessoalmente o arguido do despacho que designa o dia para a audiência de discussão e julgamento, ou executar a sua detenção ou prisão preventiva (…) o mesmo é notificado por editais para se apresentar pessoalmente em juízo, num prazo até 30 dias, sob pena de ser declarado contumaz”, estabelece uma das alterações agora introduzidas.

Entre outras alterações, fica ainda prevista a possibilidade de exclusão de publicidade em atos processuais nos crimes de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual.

Outra alteração, lê-se no diploma que revê o Código de Processo Penal, prevê a possibilidade de recurso, nos atos processuais, às novas tecnologias de informação, como videoconferência, permitindo ao “Estado e aos seus intervenientes processuais poupar recursos”.

“Esta alteração é importante, sobretudo quando houver necessidade de deslocações dos intervenientes para uma área judicial (comarca ou círculo) diferente, com custos dos transportes, alojamentos e alimentação inerentes”, acrescenta.

A ministra da Justiça cabo-verdiana, Janine Lélis, enfatizou como exemplos às alterações introduzidas, em 97 artigos da versão anterior do Código de Processo Penal, a “extinção do Termo de Identidade e Residência como medida cautelar geral”, passando a estar inserida no estatuto do arguido, “atendendo à sua débil eficácia prática ou processual”.

“Não se estranha, pois, que em momentos de particular agravamento da situação de insegurança, todos os olhos e atenção se viraram para as decisões dos tribunais, em especial para as medidas de coação aplicadas no seguimento de muitas detenções, feitas em flagrante delito”, disse.

“Levantou-se nesses tempos a ideia de que prisão preventiva dever-se-ia aplicar sempre e na quase maioria dos casos, olvidando, contudo, de que a privação da liberdade é por imposição constitucional em defesa dos princípios da dignidade humana”, recordou.

Assim, relativamente aos pressupostos da prisão preventiva, também levantada na recente onda de criminalidade que afetou o país, a ministra explicou que a revisão proposta incluiu alterações para “densificar as situações em que o juiz, quando não considere adequadas ou suficientes as restantes medidas de coação pessoal, possa aplicar a prisão preventiva”, mas “no quadro das orientações constitucionais”.

Outra novidade que enfatizou na revisão do Código de Processo Penal foi a introdução da declaração de contumácia, permitindo julgar arguidos ausentes ou em fuga “quando todos os mecanismos de notificação destas pessoas tenham sido esgotados, para que não haja processos pendentes nos tribunais, com arguidos ausentes e sem que se realize a Justiça”, disse a ministra.

Segundo Janine Lélis, estas alterações visavam uma “justiça criminal mais eficaz em prol da segurança das pessoas” e passam ainda pela revisão das penas de furto e de roubo, além da introdução de novos tipos criminais, como o crime de perseguição, como os que “mulheres são perseguidas por ex-companheiros”, o de mutilação sexual ou de maus-tratos a animais.

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