Nova manifestação na Argélia pela libertação de detidos, com denúncias de torturas

Argel, 30 mar 2021 (Lusa) — Milhares de estudantes, professores e ativistas voltaram a desfilar hoje em Argel para exigir a libertação dos presos de opinião, enquanto uma organização de direitos humanos renovou o apelo sobre a investigação de alegados casos de tortura nas prisões.

À semelhança de todas as terças-feiras, os manifestantes também reafirmaram a pluralidade e unidade do movimento do ‘Hirak’ face aos riscos de divisões, e exigiram a “libertação dos detidos” e “liberdade para Miloud Benrouane”, um estudante detido em Biskra (nordeste) desde outubro de 2020, exibindo fotos dos prisioneiros, noticiou a agência noticiosa AFP.

Apesar de recente libertação de cerca de 40 detidos de opinião, perto de 30 pessoas permanecem nas prisões por motivos relacionados com o ‘Hirak’ ou as liberdades individuais, segundo o Comité Nacional para a Libertação dos Detidos (CNLD), uma associação de apoio.

“Imprensa livre” e “Por um Estado de direito” foram palavras de ordem também brandidas pelos manifestantes, a par das reivindicações históricas do ‘Hirak’: “Estado civil e não militar”, uma exigência para a desmilitarização do regime.

Parte do cortejo também exprimiu de forma veemente a sua oposição às eleições legislativas antecipadas anunciadas para 12 de junho pelos “gangues no poder”, e destinadas a ultrapassar a grave crise política que fragiliza o país mais populoso do Magreb, cerca de 45 milhões de habitantes.

“As eleições vão agravar a crise”, indicava uma faixa. Alguns participantes também denunciaram o recurso à tortura pelos serviços de segurança contra os opositores e acusaram de “cumplicidade” quem permanece silencioso.

Hoje, a Liga Argelina de Defesa dos Direitos Humanos (LADDH), ao basear-se em testemunhos, renovou o apelo ao início de inquéritos e instruções judiciais sobre casos de tortura contra militantes do movimento pró-democracia do ‘Hirak’.

Numa declaração à AFP, Said Salhi, vice-presidente da LADDH, considerou a sua “urgência” face a uma situação “inquietante”.

“Nos últimos dias foram revelados novos casos. É inquietante, por isso é urgente uma resposta das autoridades políticas e judiciais para travar estas graves derivas”, assinalou Salhi.

O testemunho de um estudante de 25 anos, Walid Nekkiche, no seu processo de 01 de fevereiro, suscitou uma forte indignação na Argélia e com repercussões externas. O jovem disse ter sido “agredido sexualmente, fisicamente e verbalmente” sob custódia por elementos dos serviços de segurança.

De seguida, o procurador-geral anunciou a abertura de um inquérito — atribuído à justiça militar — “com o objetivo de estabelecer a verdade sobre o que se passou”.

“A abertura de um inquérito pelo ministério público poderia fornecer garantias. Infelizmente, não temos qualquer informação. Pior, tal não impediu outros casos”, lamentou Salhi.

Em comunicado publicado na tarde de segunda-feira, a LADDH afirmou que “as revelações dos militantes do ‘Hirak’ que acusam os serviços de segurança por atos de tortura e de violação, sob custódia ou detenção, prosseguem e quando a tortura é proibida e punida por lei”.

Em 1989 a Argélia ratificou a Convenção interacional contra a tortura, que é proibida pelo código penal e a Constituição do país.

O movimento ‘Hirak’, foi desencadeado em fevereiro de 2019 e de início mobilizado contra um quinto mandato do então Presidente Abdelaziz Bouteflika, no poder há 20 anos.

Bouteflika renunciou em finais de abril, mas o movimento prosseguiu contra o “sistema político” em vigor, numa denúncia da apropriação pela hierarquia militar dos valores que caracterizavam a rebelião armada argelina contra o domínio colonial francês (1954-1962), que culminou na independência do país.

Apesar da irrupção da pandemia da covid-19 e das medidas sanitárias restritivas terem impedido desde março 2020 os desfiles semanais, os intensos protestos voltaram às ruas todas as terças-feiras e sextas-feiras desde fevereiro passado.

Este inédito movimento popular na Argélia é pacífico, plural — desde forças laicas e de esquerda aos islamitas — e até ao momento sem verdadeira liderança ou estrutura política.

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