Pemba, Moçambique, 29 mar 2021 (Lusa) – Ismar Nordino, 50 anos, perdeu amigos e colegas no ataque a Palma, norte de Moçambique. Hoje, tenta saber o que aconteceu a quem deixou há poucos dias, debaixo de tiros
“Perdi amigos, colegas. Tenho funcionários desaparecidos, deixei guardas, a empresa, camiões, máquinas… só vim com esta roupa”, referiu, ao descrever à Lusa a sua fuga na quarta-feira da sede de distrito, onde tinha um negócio de transporte e logística.
Hoje, foi um dos primeiros a sair do navio que chegou ao porto de Pemba com mais deslocados dos ataques armados no norte de Moçambique.
Integrou um grupo que fugiu para a praia na quarta-feira, procurando num barco disponível.
“No alto mar acompanhámos os tiroteios. E no quarto dia encontrámo-nos em Afungi”, recinto dos projetos de gás, com mais pessoas em fuga.
Agora, Ismar vai regressar a Maputo, onde a família esteve dias sem saber se ele estava vivo.
A saída do navio está a decorrer a conta gotas – passam-se longos minutos até que alguém saia.
Algumas centenas de pessoas aguardam pela saída de quem está nesta embarcação e pela chegada de mais navios oriundos do distrito de Palma, uma população que foge aos ataques de grupos rebeldes ‘jihadistas’ desde quarta-feira.
Em lágrimas, Merina Simão, 29 anos, espera pelo marido, que prestava apoio humanitário em Palma para o Programa Alimentar Mundial (PAM) e a organização não-governamental (ONG) Amigo do Ambiente
“Ouviam-se tiroteios, ele estava a ir para o mercado” quando falaram ao telefone pela última vez “e não conseguimos mais falar com ele”.
“Estou à espera de minha família, é muita gente, toda a família é de Palma”, disse à Lusa, Assumane Gani, de olho no cais onde as autoridades se encontram.
Eram dezenas de pessoas à espera no porto de Pemba às primeiras horas da manhã, mas rapidamente o número cresceu até centenas que aguardam por ver familiares e amigos.
Este navio com deslocados está ancorado na baía de Pemba desde o final da tarde de ontem.
Ricardino Nandemo já falou ao telefone com o irmão mais novo, de 22 anos, que trabalhava num restaurante em Palma e que se encontra na embarcação com “muitas mais pessoas”, disse, sem conseguir precisar.
“Ele estava na vila durante o ataque, fugiu com outras pessoas para o mato e as forças de segurança conduziram-nos para zona segura”, relatou.
Fontes no porto de Pemba ligadas à operação de resgate referiram que o desembarque do navio que se encontra na baía de Pemba não decorreu no domingo durante a noite por questões de segurança.
Todos os deslocados são escrutinados por forma a despistar possíveis insurgentes misturados com a população, um dos receios relatados desde a primeira hora pelas autoridades que têm insistido nos apelos à vigilância por parte da população.
Quem espera relata que além do navio já ancorado, outro vem a caminho de Pemba e um terceiro estava a sair do distrito de Palma.
A vila sede de distrito que acolhe os projetos de gás do norte de Moçambique foi atacada na quarta-feira por grupos insurgentes ‘jihadistas’ que há três anos e meio aterrorizam a região.
Dezenas de civis, incluindo sete pessoas que tentavam fugir do principal hotel de Palma, no norte de Moçambique, foram mortos pelo grupo armado que atacou a vila na quarta-feira.
A violência está a provocar uma crise humanitária com quase 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Vários países têm oferecido apoio militar no terreno a Maputo para combater estes insurgentes, cujas ações já foram reivindicadas pelo autoproclamado Estado Islâmico, mas, até ao momento, ainda não existiu abertura para isso, embora existam relatos e testemunhos que apontam para a existência de empresas de segurança e de mercenários na zona.
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