Lisboa, 09 set 2020 (Lusa) – A realizadora portuguesa Laura Carreira estreia na quinta-feira, no Festival de Veneza, em Itália, a curta-metragem “The Shift”, sobre precariedade, porque a ficção lhe permite chegar “a verdades mais reais”, como contou à agência Lusa.
“The Shift”, que foi selecionado para a secção competitiva Horizontes, onde está também a longa-metragem “Listen”, de Ana Rocha de Sousa, regista em menos de dez minutos a devastação pela qual passa uma mulher depois de perceber, na fila de um supermercado, que ficou sem trabalho.
O filme anterior da realizadora, “Red Hill” (2018), “também já falava do trabalho, mas com uma personagem que estava à beira da reforma”.
“Senti que para este filme queria voltar a falar do tema do trabalho, da dependência e da vulnerabilidade, mas com uma personagem mais jovem, porque esta dependência existe logo muito no início da vida”, contou Laura Carreira a partir de Veneza.
Laura Carreira, que nasceu no Porto em 1994, rumou em 2012 para a Escócia para estudar Cinema, coincidindo na altura com a crise económica que assolou Portugal, e não pensa regressar ao país de origem.
“Estudei Cinema durante quatro anos, trabalhei como cuidadora de uma senhora em cadeira de rodas, trabalhei em restaurantes e agora faço edição em marketing, em ‘part-time’, para anúncios para televisão, para pagar as contas”, explicou.
Está atualmente a desenvolver o próximo filme, a primeira longa-metragem, que contará com coprodução portuguesa, pela Bro Cinema, e britânica, pela Sixteen Films, a produtora do realizador Ken Loach (“Eu, Daniel Blake”, “Passámos por Cá”).
Estar em Veneza permite-lhe fazer alguns contactos, mas “está mais difícil encontrar as pessoas”, numa edição limitada pela covid-19.
Laura Carreira explica que quer continuar a explorar temas que diz serem pouco abordados no cinema, relacionados com pobreza, trabalho, perda de direitos, precariedade, mas sempre pela ficção.
“É muito difícil conseguir retratar [pelo documentário] certos temas com pessoas reais, especialmente o tema do trabalho, o da pobreza. A ficção dá-me uma liberdade muito maior que no documentário nunca encontrei. Com a ficção chego a verdades mais reais. Senti que o documentário me limitava muito”, explicou.
Mesmo escolhendo a ficção, a realizadora considera que falta, por vezes, ligação ao real: “Os problemas com que as pessoas lidam diariamente não são as ficções que nós vemos no cinema”.
“Quando estava a estudar Cinema, era tão estranho ver tantos filmes em que se ignorava completamente a ideia de que as personagens precisavam de trabalhar. E eu não conheço uma pessoa na minha vida que não precise de trabalhar. Para mim, isso é uma discrepância. E nas personagens em filmes, as pessoas têm sempre dinheiro para ir a todo o lado, têm sempre tempo para viajar. E para mim essas representações são muito difíceis, e sinto que são falsas”, disse.
O 77.º Festival de Cinema de Veneza começou no passado dia 02 e termina no próximo sábado.
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