Lisboa, 14 mai 2020 (Lusa) – O catedrático de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas Octávio Amorim Neto considera que o Presidente do Brasil não chegará ao fim do seu mandato, mas que “dificilmente cairá” durante a pandemia, e alerta que o ‘bolsonarismo’ vai manter-se.
“Durante a pandemia, ele [Jair Bolsonaro] dificilmente cairá, porque não há ambiente político para destituir um Presidente (…), ainda que este esteja em conflito permanente com os governadores, que tentam impor o confinamento às populações”, afirmou, em declarações à Lusa, o professor da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro.
Porém, considerou que “é possível que Bolsonaro saia mais cedo”, como aconteceu com outros Presidentes do Brasil “parecidos”, que classifica também “de extrema-direita e populistas”, citando como exemplo Fernando Collor de Mello, que exerceu o cargo entre 1990 e 1992.
Até porque “em todos os depoimentos que tem havido desde a saída de Moro [ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, que deixou o Governo recentemente] (…), há informações que realmente surpreendem e chocam”, disse, referindo-se às investigações em curso, mas considera que quem decidirá se essas informações justificam um pedido de abertura de um processo contra o Presidente é o Procurador-Geral da República.
“Então a situação do Brasil é simplesmente trágica, porque o país está à deriva e, por conta disso tem uma crise tripla, sanitária, económica e política. Poucos países do mundo enfrentam uma crise tripla tão profunda quanto o Brasil no momento”, destacou.
Mesmo assim, o analista político e catedrático brasileiro defendeu que o ‘bolsonarismo’, que define como uma “combinação entre a direita autoritária e os evangélicos, muito possivelmente terá uma existência mais longa do que a carreira política de Bolsonaro”.
“O núcleo duro do ‘bolsonarismo’, na minha visão, é essa aliança entre a tradicional direita autoritária do Brasil, que foi o grande lastro do regime militar, e a direita cristã, sobretudo evangélica”, afirmou, recordando que a direita autoritária foi a que Bolsonaro sempre representou no Congresso brasileiro, desde que iniciou a sua carreira parlamentar, há 30 anos.
Mas para Octávio Amorim ainda há mais dois grupos que estão próximos do ‘bolsonarismo’, a direita liberal e a direita e a direita clientelista.
Contudo, “com a crise gerada pela pandemia e a saída do ministro [da Justiça] Sérgio Moro do Governo, a direita liberal começa a distanciar-se de Bolsonaro” e o Presidente, “para sobreviver politicamente, começa a aproximar-se mais da chamada direita política, que é muito clientelista”, o que está a gerar “uma tensão muito grande entre direita liberal e essa direita clientelista”.
A direita liberal quer “um Estado menor, reduzir o gasto público e a dívida pública, enquanto a direita clientelista deseja o contrário”, justificou.
Deste modo, “a aliança política e social que constituiu o ‘bolsonarismo’ começa a sofrer grandes abalos por conta da pandemia, tanto na dimensão sanitária como económica”, e somou-se a tudo isto “a surpresa da queda de Sérgio Moro”.
Para o catedrático, é claro que Sérgio Moro tem ambições políticas, mas a sua saída do Governo teve a ver com a crise gerada pela pandemia da covid-19 e com a necessidade do Presidente de ganhar apoios no Congresso para sobreviver no cargo.
“É claro que ele [Sérgio Moro] tem ambições presidenciais e não pode mais ser visto como um impoluto juiz”, afirmou.
Mas “Bolsonaro, com a sua larga experiência parlamentar, percebeu que se começava a aproximar o momento em que seria aberto um processo de destituição – já há quase três dezenas de pedidos de abertura de um processo de destituição do mandato de Jair Bolsonaro”, salientou Octávio Amorim Neto.
E perante esta possibilidade, o Presidente iniciou a aproximação à direita clientelista, o chamado ‘Centrão’, sabendo que isso “chocaria com um projeto de Sérgio Moro de combater a corrupção”.
Octávio Amorim Neto vai ser um dos oradores que hoje participam numa mesa redonda on-line, organizada conjuntamente pelo ICS – Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e o Clube de Lisboa e que tem como tema “Haverá Bolsonarismo sem Bolsonaro”, para debater a situação política no Brasil.
Os outros dois oradores são Daniela Campello, também da (FGV/EBAPE) e Marisa von Bulow, da Universidade de Brasília.
ATR // VM
Lusa/Fim